— Vou pular o carnaval.
— O quê?
— Vou pular o carnaval.
— Tá doido?
— Tô doido não, tô certinho.
— Mas que papo é esse de pular carnaval?
— Porque vou pular.
— Não vai não, estamos em tempo de pandemia.
— Por isso mesmo.
— Tá maluco, é?
— Tô muito é certo?
— Certo?
— Sim, e é isso que vou fazer.
— Mas tem decreto proibindo a partir de sexta-feira.
— Mais um motivo pra eu pular o carnaval.
— Pirou de vez, foi? Você pode ser preso!
— Por que eu seria preso?
— Ora por quê... porque não pode pular carnaval.
— Não só posso como devo. E você também deveria...
— Eu?! Cê tá louco? Ai, ai! Por que eu pularia?
— Porque é necessário pular. Todos deveriam pular também.
— Você só pode tá lelé da cuca...
— Nunca estive tão consciente.
— Tá é louco, isso sim.
— Tô não. E vou pular o carnaval.
— Não percebe que os casos de covid estão aumentando?!
— Mais um motivo para eu pular o carnaval.
— Até o hospital de campanha foi inaugurado.
— Mais um motivo para eu pular o carnaval.
— No Boletim de ontem traz 4.824 casos e 171 óbitos.
— Mais um motivo para eu pular o carnaval.
— Mas o que tá acontecendo com você?
— Nada. Só tô preocupado com isso tudo.
— Preocupado? Querendo pular carnaval?
— Exatamente. Foi uma forma que achei de contribuir...
— Fazendo aglomeração? Favorecendo o aumento de casos?
— Não, é exatamente o contrário.
— Pirou mesmo! Acabei de crer.
— Pirei não, só tô dizendo o que vou fazer.
— Mas você não pode, não deve, nem vai pular carnaval!
— Vou pular, sim! Eu posso, eu devo e vou pular este carnaval.
— Como vai pular carnaval, se não tem festa? Me explique.
— Pulando, simplesmente pulando.
— Por que não deixa pra pular quando a pandemia passar?
— Tem que ser agora. Depois não tem mais como pular.
— Meu Pai do Céu! Por que você insiste nisso?
— Porque é necessário. É preciso pular o carnaval.
— Você pode se dá mal com essa atitude insensata.
— Nunca! Pelo contrário, é uma ideia completamente sensata.
— Mas como? Você está indo de encontro a lei e à saúde pública.
— Prelo contrário, estou muito a favor da lei e da saúde pública.
— Agora quem tá louco sou eu. Desista disso, por favor.
— Não posso, se eu deixar de pular, aí sim, posso tá prejudicando... Então, não posso deixar de pular.
— Mas o que você tá dizendo?
— Tô dizendo que vou pular este carnaval.
— Não vai pular não! Ouve a voz do teu amigo.
— Ora, se pulei o ano passado, o ano ‘trasado, o ano retrasado...
— Eu também pulei. E daí?
— E daí que em 2021 vou pular também. Se pulei os carnavais anteriores, este é que vou pular mesmo. Agora é bem mais necessário que eu pule, que tu pules, que nós pulemos, que vós puleis, que eles pulem, que todos pulemos.
— Isso só pode ser uma pegadinha, um sonho, uma loucura...
— Não é loucura, nem nada disso, é sensatez e consciência.
— Como, sensatez e consciência? Pulando carnaval na pandemia?
— Exatamente, pulando o carnaval da pandemia.
— Não dá pra acreditar! Você não pode fazer isso.
— Tanto posso, quanto devo, quanto vou. Já até comprei minha fantasia.
— Fantasia? Tá brincando!
— Tô falando sério.
— Como vai pular carnaval sem blocos, sem amigos, sem festas? Me explique.
E o amigo pulador, mostrando uma máscara, um calendário e um frasco de álcool em gel, respondeu-lhe sorrindo, ao tempo em que apontava para o interior de sua casa:
— Assim, veja! Vou pular esta data carnavalesca no meu calendário, vou pôr esta máscara, passar gel e água corrente nas mãos, entrar em casa e só reaparecer na quarta-feira de cinzas para ir ao trabalho.
O outro apenas riu, querendo ao mesmo tempo matá-lo e abraçá-lo, mas lembrou-se que eram verdadeiros amigos de resenhas.
*(Costa Filho, Crônicas da pandemia, 2021, fev ,12)
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SOBRE O AUTOR DA COLUNA
Edgar Moreno é cronista e escritor bacabalense, heterônimo do poeta Costa Filho, membro da Academia Bacabalense de Letras. Em abril, estreou com a coluna “Cronicando...” no site Cuxá. Escreveu ou escreve em outros jornais e sites, publicando eventualmente em suas redes sociais.
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